A invisibilidade das palavras

Todos nós temos direito à invisibilidade. Ou deveríamos ter. Da mesma forma que somos capazes de falar, sorrir, caminhar ou abraçar, deveríamos ser capazes de desaparecer. Sem super poderes, artifícios de maior ou engenhos de 'ultimissima' geração. Apenas desaparecer, passar a ser invisíveis. E, para contornar tamanha falha da condição humana, temos de nos esforçar. Bastante.

Para conseguir ser invisível tenho que fazer com que o mundo gire para o outro lado. Há que contornar, manipular, dirigir, ameaçar, chantagear, ferir e matar. E mesmo assim, à última da hora, poderá sempre surgir alguém que se aproxime sorrateiramente por detrás de mim e, sem que dê por isso, me toque no ombro e me diga "cucu, estou aqui", expressando um ingénuo e genuíno sorriso que sou incapaz de, em toda a minha gloria sangrenta, imitar.

Ainda assim, por vezes, desaparecer torna-se possível. Consigo mergulhar na cidade e esconder-me no meio da multidão. Enterro a cabeça no meio dos ombros, olho de leve à minha volta, e solto um leve sorriso nos lábios à força de, por dentro, estar feliz e bem comigo próprio. E, durante os breves minutos em que alcanço esse feito sobrehumano, tudo está bem. Tenho esses momentos só de mim para mim, até a realidade me puxar de volta para ela e me forçar a encarar novamente tudo aquilo que deixei para trás.

Mas, mais do que eu, as palavras têm o direito a desaparecer quando querem. Pois elas, ao contrário de mim, são eternas. Viverão muitos mais anos do que eu. Um pouco à semelhança da memoria de alguém, que para sempre ficará nos corações de quem o viu morrer, as palavras são lançadas ao mundo para nunca mais o deixarem. E, no seu estatuto de imortais deusas da ideia, merecem um lugar digno da sua posição. E, se assim o desejarem, devem ser idolatradas em segredo, por um pequeno grupo de leais e discretos fieis, ao invés de se verem lançadas ao mundo para serem estripadas da sua essência por mil e um olhos vesgos, ramelosos, incolores.

Não me respeitem, empurrem-me para a ribalta e devorem-me a colheradas de gargalhadas e insultos. Deixem as palavras em paz. Elas viverão muito para além das gargalhadas, da vergonha, dos olhares, das tentativas e dos corpos.

1 comentários:

Vio disse...

epah se as palavras estão invisiveis isso deve ser daquelas coisas maradas das tintas mágicas, que se vendem naquelas lojas mónitas estilo funny.
ou então estás miópe amori... :)

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