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Um mineiro e o seu infinito quarteto de cordas

(Minemos então, em busca de uma pedra que nos revele, no seu interior, um diamante, rubi, ou uma simples pepita de prata...)

Avista-se ao longe um certo "quê", um certo vulto, sombra ou simples capricho da ilusão. Sem se fazer valer de grandes formalidades, marca encontro comigo para a sua data. E até lá fica no seu sítio, aguardando, sem que tal o pareça incomodar. Dir-se-ia que a ansiedade ou o aborrecimento da espera não o perturbam, e que seria capaz de ali aguardar o fim do mundo sem sofrer de tais enfermidades, se a isso se propusesse.

E, chegada a sua data, aproxima-se. Saúda-me e partimos, eu e esse misterioso vulto. Não sei dizer bem qual de nós escolheu esta direcção, ou mesmo por que motivo partimos, ou sequer que motivo o leva a tal empreendimento. Apenas sinto, da minha parte, um certo sentimento de familiaridade ao encarar essa sombra. Parece-me que, algures nesse misto de incerteza, mistério e saudade se encontra uma virtude há muito perdida. E, por muito que não a vislumbre, sei que está lá. Por que outro motivo estaria aqui, então, tal personagem?

E, à medida que caminhamos em direcção ao fim desta viagem, soltam-se os mistérios que encobrem esta sombra. Esvoaçam para trás de nós ao sabor de gargalhadas de multidões invisíveis, como velhos trapos negros que se soltam de uma corda de secar, alegres por poderem finalmente voar livremente até ao infinito do esquecimento, eterna morte que há muito reclamavam. E, por cada um desses mistérios que se vai soltando, o vulto começa a definir-se. Perde em tamanho, ganha em definição. A simples sombra de alguém que não existe começa a assemelhar-se a algo de real, a algo de palpável.

Aguardo pacientemente que seja a hora de o agarrar, a hora em que o último dos mistérios se dissipe e que se revele a tão aguardada virtude que no seu centro reside. Mas os mistérios vão-se soltando um a um, sempre ao som de despropositadas gargalhadas dementes e ignorantes. E, sem que nada o faça anunciar, solta-se o último mistério, ao som de cascatas de palmas. E, no seu lugar, o dito vulto que quase era virtude deixou o vazio.

Atrás de mim deixei de ver os mistérios desaparecidos. Deixei também de ver o caminho que percorri, apenas sabendo que estou de volta ao sítio onde comecei. E, aparentemente, nunca dali saí. Não fora eu lembrar-me de tal viagem, de tal vulto, de tais mistérios e de dita virtude que não me quis presentear com a sua existência, e todo o mundo diria que nada aconteceu.

Menos mal que nada disto é novo para mim, que os vultos vão e vêm, e que das minhas viagens um dia rezará um livro...

(...e já que o quarteto se vê infinito, minemos um pouco mais...)

Um orgulhoso filho, eterno aprendiz de seu pai. Cresce a seu lado, sempre bebendo os seus concelhos, sempre seguindo intransigentemente cada uma das suas pegadas. Cresce como todos os filhos que não morrem pelo caminho estão destinados a crescer. Aprende como todos os filhos que estão destinados a ser gente aprendem. Ensina-se a si próprio, à imagem de seu pai. Dir-se-ia que queria ser como o seu pai, mas ele sabe bem que esse não é o caminho a seguir. Sabe que um dia será pai, será pessoa, e não apenas um simples desejo disso mesmo, como o é agora. E continua a aprender, a seguir seu pai como um barco mergulhado na escuridão da noite segue a luz de um farol para chegar a bom porto. Perturba-o a sua incompetência, por falta de experiência, em ser pessoa. Mas sabe que um dia poderá olhar para seu pai de igual para igual, de irmão para irmão. E esse desejo fá-lo seguir sempre em frente, apesar dos típicos tropeções de quem anda claramente por caminhos que a si não foram destinados.

Até que, num momento de origem desconhecida, seu pai erra. E ele sabe-o. De repente, sem esperar que tal pudesse alguma vez acontecer, o aprendiz vê-se confrontado com o erro vergonhoso do seu mestre. Perde-se o orgulho em seu pai, perde-se a vontade de percorrer aquele caminho. Tudo é questionado: será este o caminho, qual o destino, a que levará tudo isto, estará no sítio errado? Repetir-se-á esse erro? Será apenas um erro, ou o simples e imprevisível esgotamento da virtude que em seu pai via? Será que se trata de um erro, ou terá passado o pai a filho, o filho a pai, e terão os papeis que se inverter? E caso disso se trate, será o filho capaz de desbravar tal caminho? Seguirá seu pai atrás de si, ou ficará a olhar para o mundo que, à sua volta, se transformou?

Assombram-no as questões... Não sabendo a resposta para nenhuma delas, sabe apenas que, para si, ainda é cedo para ser pessoa. E, independentemente disso, terá de lidar consigo e com a sua vida, sem que ninguém de si tenha piedade.

E lá parte ele, traçando o seu caminho. Mais tarde decidirá se seguirá novamente ou não as pegadas de seu pai. Para já, fará o seu caminho, em busca do que um dia o leve a ser pessoa...

(...e mata-se o infinito quarteto, a pedido da exaustão do mineiro.)
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Eu não vou...

...nem quem me paguem! Excepção seria feita se arranjasse um bilhete à borla para ver a Shakira. E era literalmente para ver a Shakira ;)

Mas comentários pimba à parte, encontrei uma "notícia" n'O Público de que gostei, especialmente por não ser uma notícia. Confusos? Leiam, vale a pena ;)

Rock In Rio? O Rock In Rio é um outro mundo
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As minhas coisas

(E agora uma sessão de apresentação das porcarias expelidas pela minha mente após um dia de trabalho, tese e pouco mais...)

Levaram as minhas coisas. Acordei e não estavam lá. Não posso afirmar que as tenham roubado. Nem quem as levou. Ou sequer se alguém as levou. Poderão muito bem, apenas, ter-se fartado da sua fatigante e monótona rotina de serem as minhas coisas, e ter partido em busca de algo diferente, em busca de um sonho, de um destino, ou de uma simples ponte de onde saltar para porem fim à sua existência. Não sei onde estão, apenas sei que não no seu eterno sítio de estar.

Dei pela sua falta momentos depois de acordar. Naquela altura em que a fronteira entre os sonhos e a realidade parece não existir, e tudo se mistura num só cenário, tão perfeitamente lógico e credível, que nem nos damos conta de que não o é. À medida que a ficção é rasgada lenta mas eficazmente dos meus olhos, apercebo-me de que algo está diferente. E aí me dou conta de que as minhas coisas não estão lá.

No seu lugar encontro outros objectos, aparentando serem capazes de cumprir, com a mais perfeita exactidão, as funções dos seus antecessores. Talvez até melhor, dada a sua pose imperativa, militar, sóbria e cinzenta. Observo-os quase que a medo, pois a sua presença, longe de ser ameaçadora ou sobressalente, intriga-me mais do que fascina. Todos estão no seu sítio e pareceriam, a qualquer leigo, ali ter estado desde sempre. Parecem ter sido feitos para ali estar, dando ares de que, em qualquer outro local do mundo, seriam vistos como claros refugiados de uma qualquer guerra de guerrilha sem princípio, meio ou fim.

E, da sua aparente altitude de topo de móvel ou prateleira, eles fitam-me com o seu sério e mordomado olhar. Quase parecendo discretamente revoltados por estes momentos de inutilidade, aguardam pacientemente as minhas ordens, na esperança de que lhes dê uso, para que possam ganhar vida e fazerem a única coisa que sabem fazer: aquilo a que foram destinados.

Verifico-os, um a um, e certifico-me de que fazem o que lhes é pedido como deve ser. E eles acedem, sem dificuldades, ao que lhes peço. Agem fria e mecanicamente, com a precisão e fatalidade de um bisturi. Os livros relatam-me histórias completas e elaboradas, os cds fazem tocar as notas com uma claridade invejável, as gavetas abrem-se com suavidade para mostrarem camisolas imaculadamente arrumadas e estimadas. Tudo é perfeito, dentro da imperfeição possível da impessoalidade.

Mas estas não são as minhas coisas. São as coisas de alguém, um alguém genérico, impessoal, quase inumano. E, sem as minhas coisas, este não sou eu. Ou, pelo menos, sou um "eu" a quem faltam as suas coisas, a quem faltam partes. Um "eu" a quem levaram gostos, defeitos, vícios, segredos, manias, recordações. Quem levou as minhas coisas (se é que alguém as levou), levou consigo um pouco de mim, e prendeu-me a esta estranha e inédita fase da vida: "busco as minhas coisas".

Tiro qualquer coisa de uma gaveta para vestir, sem me dar ao trabalho de muito escolher. Assenta-me que nem uma luva, mas deixa-me uma sensação estranha no corpo. Algo apenas descritível como o exacto oposto de estrear a nossa peça de roupa favorita. Agarro numa ou outra coisa que sei que me farão falta, e saio. Sinto que não sou eu quem vai por aquela rua fora, mas um sósia, uma cópia com defeito de impressão na qual apenas se vislumbra uma mancha do que se pretendia que fosse. E parto, decidido a recuperar as minhas coisas. Decidido a encontrá-las, e com isso repor o meu normal estado de ser.
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Só para designers

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Apanhado das notícias dos últimos dias

A UE vai disponibilizar um fundo de 750 mil milhões de euros (o equivalente a 75 x 10¹¹ pastilhas Gorilla de banana) para evitar que situações como a da Grécia voltem a ocorrer, e contagiem os restantes países da zona euro. Para tal, foi "pedido" (leia-se, quase de certeza, "exigido") que os países em dificuldades tomem medidas adicionais de combate ao défice. Sócrates já anunciou há dias que vai "repensar" (adiar) a 3ª travessia do Tejo e o aeroporto. O ministro Teixeira dos Santos veio ontem falar na "possibilidade" de aumentos de impostos. Sócrates, por sua vez, reuniu com os elementos do seu partido, mas recusou-se a divulgar que medidas pensa tomar para alcançar a redução adicional do défice (e assim podermos pedir trocos emprestados à Europa para comprar pastilhas). Em vez disso,vai reunir com Pedro Passos Coelho, líder da oposição...

Caso ainda não tenham percebido, vêm aí aumentos de impostos, e dos grandes. E ainda bem! Pode ser que assim se pare de falar no raio do Benfica e no Papa!

PS.: Se oiço mais alguém dizer que a bolsa subiu 10% porque o Benfica ganhou o campeonato, juro que amanhã apareço na capa do Correio da manhã rotulado como assassino.
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Bartoon

Retirado do site d'O Público, de dia 01/05/2010
 
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