Eva

Pequena Eva dos cabelos quarto-crescente, pasteleira de vocação, coração e, acidentalmente, de profissão. Mergulhada por acaso no cinzento mundo das cinzentas pessoas dos cinzentos prédios da cidade cinzenta, pastela e pastela na busca do pecado original. Eva dos cabelos quarto-crescente, queria pastelar o mais perfeito dos bolos: aqueles que fizesse todas as pessoas cinzentas da cinzenta cidade pecar.
Assim, passava o seu dia entre massas, pastas, coberturas e recheios, na busca do bolo que, quando colocado na montra, fizesse as cinzentas pessoas da cidade cinzenta invadir a sua pequena pastelaria de bairro e aí, se deixassem contagiar pelas doces cores e vivos sabores.
No entanto, por mais que pastelasse, Eva dos cabelos quarto-crescente nunca encontrava o pecado original. Todos os seus bolos lhe pareciam familiares, banais, vistos e desgastados. Assim, nunca a sua montra vira cor: todas as manhãs, Eva dos cabelos quarto-crescente entrava na sua pastelaria e pastelava o melhor que sabia. Sempre insatisfeita com o seu resultado, atirava-o pela janela que dava acesso ao beco das traseiras, e limitava-se a sentar-se ao balcão, cabisbaixa, fitando os clientes que teimavam em não entrar, através da montra que teimava em continuar vazia.
Pequena Eva dos cabelos quarto-crescente pastelou e pastelou, até que um dia desistiu. Longe de ter perdido a criatividade, cansou-se de tentar e tentar, e limitou-se a ficar a olhar, através da sua montra cinzenta, para as pessoas cinzentas dos prédios cinzentos da cinzenta cidade. Após este dia cinzento na sua loja cinzenta,
Eva dos cabelos cinzentos ouviu um bater vindo do fundo da loja. Curiosa por natureza, correu até lá e abriu a porta cinzenta que dava para o beco das traseiras. Aí, Eva dos cabelos quarto-crescente encontrou a sua cidade de céu azul, com prédios amarelos e verdes e vermelhos, populada por pessoas de vermelho e verde e amarelo e azul e rosa e laranja e castanho e roxo, e todas elas aguardavam que Eva dos cabelos quarto-crescente pastelasse, e lhes atirasse novamente o bolo pela janela que dava acesso ao beco das traseiras, e assim pudessem continuar a ser e viver de todas as cores.

(Se me continua a dar para estas coisas, qualquer dia estou a escrever contos infantis)

0 comentários:

Enviar um comentário

 
Copyright © Um copo com...