A perfeita felicidade

"Perfeição" e "felicidade" são dois conceitos que as pessoas raramente juntam. O primeiro é sabido ser impossível de atingir. E, talvez por esse motivo, nunca é feita a devida associação ao segundo.

A felicidade é, na sua essência, o mais perfeito dos estados de espírito. Resulta da realização de todos os desejos que temos, independentemente da sua natureza. E é na busca dessa utopia que todos nós acordamos de manhã, vamos às nossas vidinhas, e regressamos a casa à noite. Todos nós ambicionamos chegar ao fim do dia com um pouco mais do que tínhamos quando acordámos.

Mas a felicidade é inatingível. Afinal de contas, nenhum de nós sabe o que é a perfeição. Ninguém é capaz de escrever o livro perfeito. Ninguém é capaz de realizar o filme perfeito, pintar o quadro perfeito, compor a canção perfeita, projectar o carro perfeito ou dar o beijo perfeito. A perfeição não passa de um conceito puramente abstracto, que nunca nenhum ser humano foi capaz de verdadeiramente definir. É simplesmente "aquela coisa sem falhas". Mas, o que é, ninguém sabe ao certo...

Antes da perfeição e, consequentemente, da felicidade, existem as coisas muito boas. Aqueles momentos que, não sendo perfeitos, nos trazem alguma alegria. Nos fazem chegar ao fim de um dia com a sensação de conquista, de sucesso, de prazer. Tais momentos não são perfeitos: não são eternos nem puramente bons. Sabemos disso, mas continuamos a procurar esses momentos...

... pois é para eles que verdadeiramente vivemos. No fundo, todos sabemos ser impossível ser verdadeiramente feliz. O que não quer dizer que não possamos ter uma boa vida, recheada de bons momentos. Não quer dizer que devemos deixar de sair da cama de manhã e voltar a ela à noite para repetir o ciclo nos dias seguintes. Não quer dizer que não devemos ir de férias, namorar, casar, ter filhos, mandar o chefe à merda quando recebemos uma proposta melhor de uma empresa concorrente, etc. Tudo isso vale a pena. Muito mais do que pensamos (ou queremos pensar). É para isso que vivemos. Para procurarmos e vivermos as coisas muito boas. Porque as coisas perfeitas não existem.

Procuramos (e devemos procurar) esse prazer, mesmo que seja efémero. Sabemos que dura sempre pouco. Dura o tempo de um cigarro, o tempo de um sorriso, de uma troca de olhares, de um doce beijo ou de um violento orgasmo. Sabemos, mesmo antes de começar, que vai terminar. E, ainda assim, estamos dispostos a muito para o alcançar. Muitas vezes, até a demais...

Estive disposto a demais para alcançar um desses momentos. E sinto-me mal por isso. Mas, tal como não existe a felicidade, também não existe a infelicidade. Tal como me sinto mal por estar disposto a tanto, sinto-me bem por me terem trocado as voltas e o desfecho de um momento não ter sido aquele em que sacrificaria algo de bom apenas por um efémero momento de pseudo-felicidade.


You can't always get what you want
But if you try sometimes well you just might find
You get what you need


- Mick Jagger and Keith Richards, The Rolling Stones

5 comentários:

Abobrinha disse...

Eu não sei em relação a ti, mas eu sou capaz de dar vários beijos perfeitos.

E sim, às vezes o melhor que nos pode acontecer na nossa busca pela perfeição ou felicidade é não nos darem o que queríamos...

Vio disse...

Tiago,

existem aqueles momentos que não sendo perfeitos, nos trazem MUITA alegria. Não "alguma" alegria. "Muita". Não são eternos, mas podem saber a perfeitos e a puramente bons. Perfeito é aquilo que o nos faz feliz, que nos faz rir e chorar de emoção. Perfeito é aquilo que o nosso coração nos diz que é. Nunca vais ter o "namorado perfeito", a "relação perfeita", na "casa perfeita" no "sítio perfeito".Nunca vai ser tudo como querias ou gostarias, mas com certeza um dia vais acordar de manhã com esse namorado imperfeito, nessa casa imperfeita, e o sol vai entrar pela janela, vais olhar para quem dorme ao teu lado e pensar: que mãnha perfeita. E é só isso, e isso é tudo o que precisas.

Bacardi disse...

Cara abobora,

Não conheço os teus beijos. Como bom marido e mulher tipicamente portugueses que somos, a nossa interacção restringe-se a umas quantas bacuradas badalhocas nos dias bons, e a bastante violência doméstica nos dias maus. Note-se que a violência é de parte a parte, que nós somos a favor da igualdade de direitos, inclusive no direito a levar uma carga de porrada do cônjuge.

Ainda assim, tenho a certeza que este teu post deixou o Joaquim curioso. Se não ficou, ou se não visita este blog, ele é que fica a perder ;)

Abobrinha disse...

Bacardi

O nosso casamento é perfeito e (arrisco-me a dizer) terá um nível de badalhoquice superior a muitos e de violência inferior a muitos, mesmo em dia de massacre de pais natal!

Quanto ao Joaquim... a nossa relação anda muito tremida! Sendo que quem perde é ele, naturalmente!

Bacardi disse...

Vio,

Eu, tal como certamente tu e todos nós, já tive desses momentos perfeitos. Embora efémeros, recusamo-nos a acreditar que assim seja, e esforçamo-nos inconscientemente para os prolongar.

Gosto tanto desses momentos como qualquer um, tenho saudades dos que passaram e ambiciono pelos que hão de vir. Acredito que é uma das coisas para as quais todos nós vivemos.

Ainda assim, embora estejamos deitados na cama (in)perfeita, na casa (in)perfeita com a pessoa (in)perfeita, há uma certa fatalidade associada a tudo isso. Uma espécie de tragédia anunciada. E essa fatalidade é que esses momentos não duram para sempre. Por muito que queiramos ficar na cama, a saborear o calor do sol e da pessoa de quem gostamos, algures no tempo teremos de nos levantar. Apenas preferimos não pensar nisso, para não estragar o momento.

Enquanto não pensamos nisso, acreditamos que somos felizes. E somos porque acreditamos. Não porque sejamos.

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